sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Falta de tratamento

21 de março

Falta de tratamento

Meus amigos, parentes e leitores, li este artigo no jornal Estado de Minas, sessão Em dia com a Psicanálise, no caderno Cultura, pág 2,  impresso no dia 21 de março deste ano de 2010. A matéria é de autoria da psicanalista Regina Teixeira da Costa, e aponta importantes parâmetros de cuidados em Saúde Mental, ao mesmo tempo que chama atenção para o fato de que algumas pessoas buscam em substâncias psicotrópicas ( lícitas ou não) ajuda, ao invés de fuga, como a maioria pensa. No caso do rapaz havia uma loucura latente, potencial, e que lhe causava muito sofrimento (daí provavelmente um dos elementos de sua lógica na construção da passagem ao ato) aguardando apenas uma “oportunidade” para emergir. Assim, a figura de Cristo aqui inserida refere-se não apenas ao delírio do rapaz, mas ao que a própria imagem significa. Leia na íntegra o artigo, é muito interessante e esclarecedor:

“O assassinato do cartunista Glauco e de seu filho reaquece polêmicas. Uma delas é a questão do tratamento das psicoses. O sujeito psicótico em surto e capaz de agir de acordo com o seu delírio.  E esse delírio é uma tentativa desesperada de cura. Por isso, ele não pode evitar a lógica de sua loucura, mesmo que seja insana.
Parece estranho dizer que um ato trágico dessa natureza possa ter qualquer relação com seja lá o que se possa chamar de cura. Mas tem. A tentativa de conseguir uma confirmação para seu delírio de ser Jesus Cristo ou um profeta qualquer é uma tentativa de se identificar a um  nome, uma referência simbólica, que organiza o caos imaginário do sujeito psicótico. Assim ele tenta fazer laço, amarração.
Enlaçar com palavras é o que se pode fazer, pois nos relacionamos por meio da linguagem e sem ela habitamos um deserto sem lei. O caos. Eleger Glauco, líder de uma comunidade religiosa da qual fez parte, é chamar alguém, cuja palavra tem peso de verdade, para garantir e avalizar o seu delírio. Ele age em busca da estabilização ao atribuir-se um nome próprio, que lhe trará pacificação em meio ao caos, tentando colher da realidade um significante do qual carece.
Esse trágico acontecimento realça a importância do tratamento que oferece uma escuta do delírio e pode assessorar o psicótico criando possibilidades e recursos para que não fique submetido ao céu aberto do inconsciente, no qual todo o imaginário sem barreiras se torna concreto e soa como verdade absoluta.
O tratamento pode impedir passagens ao ato que tem frequentemente ocupado páginas de nossos jornais, espaços na mídia cada vez maiores. Diante de uma fatalidade desse porte, é possível que vozes tradicionalistas se elevem em favor do retrocesso e dos procedimentos ultrapassados, arvorando-se em defender o retorno aos manicômios, e outras práticas que desejamos deixar no passado.
Depois de três décadas do início de um movimento de reforma psiquiátrica pelo fim do confinamento e em defesa de uma clínica que trata a loucura em liberdade, devolvendo a dignidade ao sujeito portador de sofrimento psíquico, livrar os portadores de sofrimento mental dos manicômios parece ser o caminho definitivo, embora remanescentes da psiquiatria biológica ainda insistam na exclusão social.
Outra questão obrigatória é a orientação à família dos pacientes, que precisa interagir com os setores de atendimento para levar o paciente ao tratamento e mantê-lo neste, o que não é fácil, tampouco impossível. Muitas famílias, entretanto, preferem livrar-se do sujeito como de um problema, afastando-o de seu convívio.
Mais um ponto interessa nesse caso e deve ser amplamente discutido pela sociedade. Os efeitos perigosos e danosos de certas substancias utilizadas  livremente, e que podem ocasionar efeitos de desagregamento do sujeito de estrutura psicótica ainda não desencadeada e que podem provocar o surto.
O rapaz impôs ao cartunista e a toda família que o acompanhassem até a casa de sua mãe para dizer a ela quem é ele. Por meio da palavra, Glauco o havia convencido a acompanhá-lo sozinho, deixando a família livre, e ele aceitou a proposta, mostrando não ser inabordável. A chegada do filho de Glauco em defesa do pai fez vacilar o pacto.
A discussão em torno do crime nos interessa por se tratar de uma psicose não tratada, o que possibilitou ao rapaz passar ao ato dessa forma. O fato de hoje termos neurolépticos e outros psicofármacos de última geração associados ao acompanhamento psicológico do paciente psicótico é que sustenta o tratamento em liberdade, impedindo e prevenindo o surto.
Primeiro, o rapaz buscou socorro nas drogas, depois na religião, duas formas de o sujeito tentar dar uma significação estabilizadora para o sem sentido da experiência psicótica. Se houvesse um psicanalista ou psiquiatra que escutasse o seu apelo em torno daquilo que ele dizia, provavelmente o dissuadiria de tal ato. A experiência do tratamento  pode questionar o absoluto desse delírio, encontrando ferramentas na própria linguagem para lidar com o delírio que tem, de fato, uma presença real”.

Um pouco sobre mim

Nasci do interior de Minas, cresci em cidade diferente da minha de origem,fui para o Rio de Janeiro, onde estudei, me casei, me formei, me  profissionalizei, tive filhos, fiquei viúva e órfã de mãe. Diante da perda de minha mãe, decidi que iria morar perto do meu pai, e voltei para Montes Claros, onde estou até hoje, e onde permanecerei até agosto de 2011. 

Lembranças da infância



A primeira vez que eu soube - ou me lembro que soube - que me chamo Maria do Carmo, foi durante uma premiação dos melhores alunos do ano. Eu estava na primeira série do ensino fundamental (em 1961, primeiro ano primário). Ainda me lembro o nome da professora: D. Laiz.  Naquele tempo nós alunos ainda não tínhamos o hábito horrível de chamar as professoras de “tia”. O nome da escola era “Grupo Escolar Almirante Tamandaré”, em Jequitaí/MG.

Naquele dia estávamos todos lá: eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos. Não me lembro quais, porque em  ’61 apenas Dorinha e Zezinho ainda não tinham nascido, mas não me lembro de todos os irmãos nessa festa de final de ano na escola, eu era muito pequena ainda...provavelmente ficaram em casa dormindo,meu pai e minha mãe estavam acostumados a nos deixar sózinhos em casa. Lembro-me de que apenas Tone e Ném estavam lá. Pois bem, vamos ao que realmente interessa...
Eu estava com muito sono, e nem conseguia me sustentar de pé. Era um acontecimento sem nenhum atrativo para uma criança  acostumada a dormir  “com as galinhas”... O sono era mais forte. De vez em quando minha mãe me sacudia, eu abria sofregamente os olhos e voltava a “desfalecer de pé”... Eu não entendia do que se tratava, não sabia que situação era aquela, e só estava lá porque meus pais me levaram.  Não estava nem um pouco interessada no que estava acontecendo. Na verdade eu me incomodava um pouco pelo interesse dos meus pais em permanecer ali, ouvindo aquelas pessoas falando, discursos, intermináveis, blá blá blá!...Provavelmente meus pais tinham sido avisados de que nem eu nem  eles  poderíamos  faltar.
Finalmente, e é só o que me lembro, chamaram: “Maria do Carmo Soares!”
Eu acho que nem sabia que era eu, porque continuei  impassível, mais interessada em “olhar para dentro (como dizia Gildo ,pai de Luizinho). Foi quando senti minha mãe me sacudindo de novo:  “- Fia, é você, vá lá em cima, estão te chamando!“. Com as pernas bambas e semi desfalecida de tanto sono,subi as escadas do auditório e me vi sendo aplaudida pelas pessoas que assistiam à premiação. É que eu fora a segunda colocada do ano... D. Laiz estava ao meu lado, sorridente e orgulhosa de ter sido a professora da segunda melhor aluna do ano. Meus pais me olhavam incrédulos...
O meu prêmio foi uma caneta-tinteiro azul, com o meu nome gravado. Na época eu nem dei muita importância, porque nem escrever direito com lápis eu sabia, mas aposto que para os meus pais aquilo era um troféu.  Meu pai tinha um bar na época, e ele a levou para lá, certamente para mostrar aos amigos e fregueses. Algum tempo depois eu perguntei ao meu pai pela caneta, e ele disse que ela tinha sido roubada. Malfeitores tinham entrado na calada da noite e levado algumas mercadorias e dinheiro da gaveta, onde a caneta estava guardada. Foi um acontecimento triste porque eu sei que para o meu pai e minha mãe aquela fora uma grande e importante perda.

sábado, 5 de junho de 2010

Todas as interrogações que os psicólogos que atuam nas unidades básicas de saúde fazem ou poderiam fazer, mas não puderam ou não se dispuseram a perguntar!

Desejava inicialmente escrever uma monografia cujo título seria: “A Atuação dos Psicólogos do Sus em Unidades Básicas de Saúde”. Os meus objetivos ao pensar nesta monografia, eram, dentre outros, estimular a reflexão dos profissionais da área sobre a prática que tem sido adotada e levar ao conhecimento dos gestores municipais a realidade em que este tipo de atendimento se encontra.


Ao começar a desenvolver uma linha de raciocínio, me deparei com uma dezena de questões que caberiam na problematização. Sairia um parágrafo inteiro de mais de uma página, só com os “problemas” a serem investigados, e tal empreitada torna-se impossível em uma monografia, pois o problema deve ser trabalhado em torno de poucas hipóteses, e não várias delas. As dúvidas que me afligem até hoje estão em torno das seguintes questões, não necessariamente nesta ordem, segundo sua importância:

1- Qual a real importância das unidades básicas de saúde, em se tratando dos atendimentos em Saúde Mental, do ponto de vista dos gestores municipais?
 
2-Será que o psicólogo das unidades básicas de saúde carrega consigo e aceita, sem perceber, a missão de funcionar como um mero auxiliar dos psiquiatras, cada vez mais rarefeitos no sistema?

3- As unidades básicas de saúde também devem ser vistas como substitutivas dos hospitais psiquiátricos para atendimento em saúde mental?  Em caso afirmativo, então ,

4- Será que existe ou não, um programa de abastecimento do material e contratação de monitores para as oficinas terapêuticas das UBS's?

5- O atendimento em Saúde Mental em todo o Brasil está sendo feito de acordo com a legislação estadual, municipal e algo parecido com a Linha-guia de Saúde Mental (da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais), idealizada por profissionais que atuam na área há várias décadas?

6- O psicólogo precisa entender de psicofarmacologia? Se a resposta for afirmativa, então,

7- Porque psicofarmaclogia não está inclusa na grade curricular do curso de graduação em todas as faculdades de Psicologia do Brasil?

8- O psicólogo precisa dominar a disciplina chamada psicopatologia?

9- Será que esta demanda (psicopatologia) não é realmente dos psiquiatras, que desejam que os psicólogos façam um encaminhamento já com diagnóstico pronto, incluindo o CID-10 como hd?

10- Que postura os Conselhos Regionais de Psicologia têm adotado em relação à problemática da falta de psiquiatras na rede, já que a dificuldade em encaminhar o paciente portador de transtorno mental grave e que demanda atendimento psiquiátrico nesse caso atinge aos psicólogos?



Entendo que qualquer uma destas questões pode ser um bom motivo para se escrever uma monografia, logo, eu teria uma dezena de monografias para escrever. Diante desta impossibilidade, decidi não escrever nenhuma monografia, e publicar este  texto como uma forma de protesto,  para que algum dia, quem sabe, alguém que possa, queira tomar alguma providência em relação ao atendimento em Saúde Mental nas unidades básicas e de referência na área, tema que sequer foi motivo de preocupações por parte de todos os gestores de quem tive conhecimento desde que vim morar nesta cidade.

domingo, 30 de maio de 2010

O trabalho dos psicólogos nas unidades básicas de saúde

Após mais de 4 anos de atuação em unidade básica de saúde, observo que as oficinas terapêuticas, importante estratégia de cuidado em Saúde Mental e que propõe a valorização do portador de sofrimento psíquico através do seu meio social, cada vez mais demonstram se constituir no melhor instrumento de atenção aos pacientes dos psicólogos - assim como aos seus familiares - nas unidades primárias de saúde. Elas têm proporcionado aos profissionais de saúde mental maior facilidade em conhecer melhor o paciente, otimizando o seu tempo de avaliação e tratamento.

Diante da impossibilidade de se operar de forma diferente do que tem acontecido, dado o enorme contingente à espera de atendimento psicológico nos postos de saúde, as oficinas terapêuticas têm se configurado em recurso de primeira linha, já que elas possibilitam um diagnóstico rápido, completo e ao mesmo tempo, na terapêutica adequada, considerando o perfil de usuário a ser tratado pelo psicólogo, de acordo com a diretiva do SUS.

O fato de as oficinas terapêuticas se configurarem em importante e adequada estratégia em Saúde mental nas unidades básicas de saúde, abrangendo desde os portadores de ansiedades leves até as esquizofrenias e transtornos graves do humor e outros tipos de sofrimento psíquico pode favorecer a uma grande camada da população. Os que sofrem de depressões menos graves e que superlotam os centros de saúde, muitas vezes aumentando as filas dos que vão em busca de uma consulta médica devido às somatizações geradas muitas vezes por falta de auto-conhecimento, em pouco tempo poderiam, sem medicações, dar lugar a outros pacientes, criando uma rotatividade que se supõe ser desejável nas oficinas: logo nas primeiras semanas o paciente consegue se perceber e se entrosar melhor no seu meio familiar, e isto pode ser suficiente para reduzir a ansiedade, diminuir a ida aos médicos, que diminuirão os pedidos de exames e de medicação, o que, por sua vez, pode acarretar importante economia para os cofres públicos, ao prevenir gastos desnecessários com especialistas, que na maioria das vezes observam inexistência de organicidade nas queixas apresentadas

Necessário far-se-ia, pois, que houvesse empenho e investimentos mais significativos por parte dos gestores municipais nas atividades das oficinas terapêuticas. E não seria oneroso: seria apenas o caso de contratar mais psicólogos e fazer aquisição de material, que na maioria das vezes é barato, dependendo do tipo de artesanato que se produza. É importante e necessário também, treinamento para os psicólogos que ainda resistem à idéia de oficina terapêutica, principalmente por desconhecerem do que se trata, e de como ela funciona.